Cachorro comer fezes faz mal? Tudo sobre Coprofagia Canina

Ver o cachorro comer fezes choca e enoja qualquer tutor. Mas esse comportamento é mais frequente do que se imagina. Certamente seu cachorro não é o único comedor de cocô que existe. Cachorros comem cocô.

Além de desagradável, essa “mania” canina é fonte de preocupação quanto a saúde do pet, já que pode facilitar a entrada de parasitas no organismo, como verminoses e giardias. Fora que aumenta também a exposição a outras doenças. 

Mas se é realmente um hábito perigoso para a saúde do cão, por que então o cachoro come fezes? Com tantas coisa mais interessantes e gostosas que oferecemos para ele comer. Petiscos, bifinhos, ração, porque mesmo assim ainda vai comer cocô.

Será que é normal o cachorro comer fezes?

No mundo canino, comer fezes é um comportamento relativamente comum, onde cerca de 50% dos cães já provaram num cocozinho pelo menos uma vez na vida. Sendo geralmente considerado um comportamento anormal, ou distúrbio comportamental.

O nome desse comportamento de comer fezes é coprofagia e é amplamente distribuído entre os mamíferos.Por exemplo, roedores, coelhos, castores, elefantes, primatas não-humanos, comem fezes. Isso  geralmente como uma segunda chance do animal extrair nutrientes da sua alimentação.

A coprofagia pode ser classificado em três categorias:

• Autocoprofagia, que é quando o animal ingerem as próprias fezes;
• Alocoprofagia, quando o animal consome as fezes de outros animais, e;
• Cecotrofia, realizada apenas por roedores e lagomorfos que precisam ingerir as fezes fezes fermentadas pelo ceco para reaproveitar seu conteúdo nutricional e suprir as necessidades de vitaminas do complexo B e de alguns aminoácidos.

Os cães, ao contrário dos roedores e lagomorfos, não possuem ceco funcional. Então eles não dependem da ação dos micrroganismos do ceco para quebrar as moléculas alimentares em substâncias que possam absorver para suprir as suas necessidades.

De forma majoritária, eles dependem dos nutrientes provenientes da dieta, com algumas exceções.

Porém, em casos de escassez alimentar severa e deficiência nutricional – que falarei do que existe de comprovação mais a frente – os cães domésticos também podem ser comedores de fezes entusiastas.

De mode geral, comer o cocô de um cão saudável é fonte de bactérias inofensivas, água e comida não digerida. E por mais estranho que pareça, comer fezes pode ser nutritivo, além de ajudar a devolver a flora intestinal a níveis saudáveis, prevenindo infecções.

Você vê apenas fezes, seu cão vê:

Bactérias intestinais benéficas à saúde; Enzimas pancreáticas; Fibras; Microelementos (nutrientes); Calorias.

Você já deve ter notado também que os cães se sentem particularmente atraídos por fezes de gatos, cavalos e coelhos.

Esse gosto peculiar se deve ao fato do cocô dos herbívoros ser cheio de enzimas e proteínas parcialmente digeridas, que podem ser benéficas para o sistema digestivo do cão.

Já os gatos, que tem uma alimentação muito mais rica em proteínas e mais palatável que a do cão, garantem a preferência canina por ter um cocô cheio de proteínas e com cheiro convidativo.  Ao menos para os cães!

Questões sociais

Problemas como lotação excessiva, falta de higiene, fome (em casos de abandono), estresse, falta de interação social, deficiências nutricionais e fornecimento de apenas uma refeição diária já foram citados como fatores predisponentes para a coprofagia.

A coprofagia também exerce alguns papéis na sociedade canina. Cadelas por exemplo, após darem a luz, comem as fezes de seus filhotes para manter o ninho limpo de infecções, parasitas e com o mínimo de odor possível, para não chamar a atenção de possíveis predadores.

Teria o cachorro comer fezes um aspecto de dominancia?

Algumas teorias comportamentais sugerem que a coprofagia é um traço evolutivo, evoluindo ao longo da domesticação para proteger humanos e cães de serem cheirados por outros animais selvagens. Uma forma de proteção dessas colônias.

Por muito tempo também foi atribuido o hábito desempenhado por ancestrais caninos, como lobos e coiotes, aos cães para justificar a coprofagia. Os machos dessas espécies ancestrais, comem as fezes de outros machos e defecam no mesmo local como mecanismo de estabelecimento de dominância.

Entretanto, a teoria da matilha – que defende a existir uma hierarquia com contactantes e seus tutores descrita para lobos e extrapolada para cães domésticos – é questionada. Inclusive alguns autores defendem a idéia que o Canis familiaris, nosso cão doméstico, não estabelece hierarquia ou dominância dessa forma.

A interação com o cocô na Primeira Infância Canina

Cães, especialmente filhotes, são curiosos e exploram o ambiente e o mundo com a boca, muitas vezes pegando objetos para mastigar. E às vezes isso pode incluir fezes.

Por exemplo, já flagrei minha cadelinha Zelda diversas vezes “brincando” com fezes de gato seca. Até trazia o cocô seco colhido da caixa de areia para brincar de “pegar” comigo.

Como esse comportamento pode ser apenas resultado da sua exploração, é provável que ele não continue após o cão se tornar adulta. Porém, o motivo do filhote manter esse comportamento é incerto. Uma das hipóteses é que o filhote pode aprender com seus  pais.

De acordo com American Kennel Club, cães costumam desenvolver interesse pela coprofagia por volta dos nove meses de idade, então separar o filhote de pais coprofágicos antes dessa idade pode ser uma estratégia interessante.

Por outro lado, uma separação do filhote de sua mãe cedo demais pode ser prejudicial. Já que alguns estudos apontam que o aparecimento de distúrbios comportamentais é mais frequente à medida que filhotes são desmamados mais cedo.

Causas Nutricionais da coprofagia

Não se sabe realmente quais as razões dos cachorros comerem fezes mas existem várias teorias comuns que com certeza você já escutou. Dentre elas estão tédio, fome, esquema de alimentação inadequado ou deficiência nutricional. Mas os estudos realizados até o momento não suportam essas teorias.

Na verdade, apesar das deficiências nutricionais serem frequentemente associadas ao cachorro comer fezes, a deficiência de vitamina B1 é a única com evidência científica que, até o momento, associada à comer fezes.

Esquemas alimentares e dieta também não tiveram impacto nenhum sobre o fato do cão comer ou não comer cocô. Até porque, hoje em dia, com as atuais normativas e regulamentações para fabricação de alimentos para animais, cães alimentados com ração industrializada de boa procedência, dificilmente terão deficit nutricional.

Esse risco permanece maior para os animais de estimação alimentados com dietas caseiras desbalanceadas ou, até em casos raros, os que comem peixes crus que contém tiaminase por exemplo, que é um fatores antinutricional.

Por isso a importância de buscar a orientação de um profissional veterinário na hora de optar pela troca de alimetação industrial pela natural do seu animal de estimação.

Fatores ambientais e emocionais

A quantidade de interação com humano, ou estímulo ambiental também não tiveram influência no início do comportamento.

Entretanto uma correlação interessante foi observada entre coprofagia e distúrbios de ansiedade. Sendo a ansiedade de separação a desordem de ansiedade mais observada nos cães nos estudos de comprofagia. Ou seja, isso pode indicar que comer fezes é uma atividade prazerosa e que alivia temporariamente o estresse desses animais. Comer cocô (meio que) relaxa o cachorro.

Outra achado comum foi que os cães são mais propensos a começar a comer fezes, se outro cão da casa também comer. Logo, a coprofagia é um comportamento social e que pode ser aprendido.

Então aquele papo de que seu cachorro está comendo cocô porque você não brinca o suficientes com ele, não é bem verdade, seu cachorro curte comer fezes mesmo.

Existe uma raça de cachorro predisposta a comer fezes?

A fama de algumas raças serem  apreciadoras de cocô é bem conhecida, como é o caso do Shih-Tzu. Mas apesar dos relatos frequentes dos tutores de shih-tzus e veterinários, não existem estudos nacionais investigando se essa prevalência de coprofagia em cães dessa raça, quando comparados com outras raças é real, levando em consideração a popularidade do Shih-Tzu no Brasil.

Embora ainda não exista uma relação clara entre raça e predisposição por comer fezes, um estudo feita e publicado no periódico Veterinary Medicine and Science, que indica quais são as raças mais propensas à coprofagia canina. A pesquisa foi feita por Benjamin e Lynette Hart, da Universidade da Califórnia. 

Embora não exista uma relação clara entre raças específicas e a predisposição ao hábito de comer fezes, uma pesquisa feita por Heart e publicado no periódico Veterinary Medicine and Science, indica qua cães das raças Hounds, Terrier, Shetland sheepdog e Retrivers são mais propensos à coprofagia canina. Enquantos os Poodles Toy passaram com louvor nesse quesito.

O que torna esse comportamento ainda mais interessante é que, segundo os pesquisadores,  os cães geralmente se afastam das suas próprias fezes e das dos outros cães. Esse comportamento inato pode ser um resquício herdado de seus ancestrais Lobos que eliminam fora das tocas para reduzir o risco de infecção por parasitas

Curiosidades sobre os comedores de cocô

Para tentar entender melhor porque os cães comem cocô, foram realizadas duas pesquisas online conectando cerca de três mil respostas de donos de cães nos Estados Unidos e Canadá.

A primeira pesquisa  tinha o objetivo de coletar os dados sobre os hábitos dos cães que comiam e não comiam fezes. Já a segunda foi focada nos degustadores de fezes, com objetivo de coletar dados sobre a frequência, persistência do comportamento e o tipo de cocô que mais atraia os cães.

Foi então que os pesquisadores descobriram um fato bizarro: os cães tem preferências quanto ao cocô que vão comer!

Cachorros raramente comem fezes moles, mal formadas ou diarreia. Eles parecem ser atraídos principalmente por fezes firmes (aquela bonita, brilhosa!). O cocô congelado, em particular, é engolido com prazer! (quem daria cocô congelado pro seu cão?).

Além disso, descobriram que:

• A coprofagia foi mais comum em domicílios com vários cães. – Em lares com um único cão, apenas 20% dos cães tinham o hábito de comer cocô, enquanto em lares com três cães, esse número subiu para 33%.
• Comedores de cocô não são mais difíceis de treinar do que qualquer outro cão;
• Fêmeas são mais propensas a comer cocô que machos;
• 92% dos comedores de cocô querem fezes frescas, com apenas um ou dois dias de idade;
• 85% dos comedores de cocô não comem suas próprias fezes, apenas cocô de outros cães ou animais;
• 62% dos cães comem fezes todos os dias;Comedores gananciosos – cães comilões e que comem rápido são mais propensos a serem coprofágicos.

Aliás comer fezes frescas, de até 2 dias, foi uma preferência de praticamente todos os cães coprofágicos. Isso pode ser uma pista que segundo os autores do estudo, pode ligar a um comportamento adaptativo praticado pelos ancestrais dos cães domésticos.

Ovos de parasitas, como de vermes, protozoários e tênias, geralmente levam alguns dias para se desenvolverem na forma larval infectante. Então ao comer fezes frescas que encontram no entorno da toca, lobos e canídeos selvagens fazem uma limpeza na região, o que reduz o risco de infecção parasitária. 

Porém, por esse comportamento não ter sido observado em lobos na natureza, essa hipótese é considerada provisória. 

Causas Fisiológicas que fazem o cachorro comer fezes

Algumas questões médicas que causam polifagia, como, por exemplo, insuficiência pancreática exócrina (IPE), diabetes mellitus, hiperadrenocorticismo e hipotireoidismo, podem levar o cão a desenvolver um comportamento de comer fezes.

Doenças que causam síndrome de má nutrição prejudicam a obtenção de nutrientes e energia, através dos alimentos. Com isso o animal acaba desnutrido, e desenvolve o comportamento alimentar depravado, o que faz o cão comer tudo que vê pela frente.

É essa sensação fisiológica de fome, somada a má nutrição e à presença de alimentos parcialmente digeridos nas fezes, que formam o combo que justifica a coprofagia.

Existe um distúrbio genético que atua no centro da fome no cérebro do animal, ele não tem aquele interruptorzinho que avisa que o animal comeu o suficiente e está satisfeito.

Então, como ele nunca está satisfeito, come o tempo todo compulsivamente qualquer coisa que ele vê pela frente. Mas é extrememamente raríssimo e são animais muito obesos.

Outras causas que podem desencadear esse comportamento de comer fezes em cão são infestação parasitárias e uso de drogas esteróides de modo indiscriminado.

Castração: aumenta a prevalência nos machos não teve nenhuma alteração nas femeas; Comer sujeira e coco de gato; Presença de múltiplos cães na casa; Ansiedade (especialmente Síndrome de Ansiedade de Separação) ou estresse.

Se o seu cachorro começar a comer cocô com frequência, ou seu cão adulto começar a comer fezes da noite para o dia, leve seu pet para ao veterinário para um check-up para descartar problemas de saúde.

Como tratar a Coprofagia

Distrair o cão e recolher as fezes logo após o cachorro defecar são as técnicas mais eficazes

Como a motivação comportamental é tão pouco compreendida, o tratamento da coprofagia é desafiador e muitas vezes acaba mal sucedido. 

Dentre os métodos para evitar o cachorro comer fezes estão:

• Recompensar o cão pelo bom comportamento;
• Distrair o cão após ele defecar; Suplementação vitamínica – avaliara dieta e a necessidade de suplementar vitamína B;
• Suplementação enzimática – promissora em casos como insuficiência pancreática exócrina ou dietas com excesso de arboidratos.
• Aversivos de sabor – em tese certos sabores e cheiros são repugnantes para os cães, então adicionar um aversivo aos alimentos ou guloseimas tornará o cocô produzido menos atraente.

O estudo avaliou também os métodos para resolver esse problema que é o cão comer fezes, e chegou a conclusão que esse hábito é muito difícil mudar!

Dos métodos avaliados o mais bem-sucedido para prevenir a coprofagia, parece ser impedir o acesso do cão às fezes, o que é um desafio para muitos dos tutores.

Já a inclusão de aversivos de sabor nas fezes apresentaram eficácia moderada, sendo mais efetivos em animais até 4 anos de idade, quando comparados aos com mais de 4 anos.

Se a causa do comportamento for ansiedade, o uso de medicamentos como antidepressivos ou inibidores seletivos de recaptação de serotonina seriam mais eficazes. Ai já fica um tratamento realista, mas essa é a minoria dos casos.

Entretanto, segundo os autores, como os tratamentos mais eficazes envolvem a participação do tutor, a coprofagia não é motivada por uma condição clínica, mas por fatores ambientais ou sociais. Fato esse que torna a correção do comportame to mais desafiadora.

Um ponto importante que vale ser ressaltado é que recompensar o bom comportamento é mais efetiva do que a punir quando o cão for flagrado fazendo cocô no lugar errado ou comendo fezes. Além da punição ser pouco eficiente, quando em excesso pode induzir o cão a comer as fezes para evitar a bronca.

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Fonte:

The paradox of canine conspecific coprophagy, Benjamin L. Hart, Lynette A. Hart, Abigail P. Thigpen, Alisha Tran, Melissa J. Bain, first published: 12 January 2018 https://doi.org/10.1002/vms3.92

Journal of Applied Companion Animal Behavior Vol. 2, No. 1. 2008; A Comparison of Common Treatments for Coprophagy in Canis familiaris, Broox Boze, Department of Biology Colorado State University.